Literatura

178 anos de Machado de Assis

Quem a acessou a página do Google em  21 de  junho de 2017 notou que a  empresa  fizera  uma bela  homenagem  a um dos  maiores escritores da  língua portuguesa: Machado de  Assis. O escritor teria completado 178  anos!

Entenda o doodle

Doodles são as versões modificadas do logotipo do Google.  Elas aparecem na página principal do site em feriados, aniversários de pessoas famosas e datas  importantes. O leitor atento deve ter  percebido  que  o doodle criado para homenagear o escritor brasileiro faz  referência a  algumas de suas obras  mais importantes: Memórias póstumas de  Brás Cubas,  Quincas Borba e Dom Casmurro, além da criação da Academia Brasileira de Letras.

Machado e as periferias

Nas  redes sociais, comentou-se muito o fato de Machado ter  sido representado com  a  pele negra; um  verdadeiro avanço, já que, nesses quase dois séculos,  ele  sempre foi ilustrado como  se  fosse da raça  branca.  Cabe  lembrar que, em  propaganda do  centenário do Banco do Brasil,  o  escritor  foi interpretado por  um ator branco, o  que  causou muita  discussão e reclamação dos movimentos  negros. No  dia do aniversário, um dos  comentários sobre a representação do  escritor no  doodle foi o de  minha  amiga, a pedagoga e ativista  negra,  Doris  Barros,  de quem  já falei no  texto Mulheres negras contam  sua  história. Com sua  permissão, publico aqui  o  que  ela postou  em  uma rede social:

Muita  gente   costuma  afirmar que  o  escritor não abraçou a  causa abolicionista e  não usou seu texto em favor dos  negros. É preciso saber  ler a  obra machadiana; caso contrário,  corre-se o risco de  dar palpite  equivocado! Machado foi funcionário do Ministério da Agricultura e uma de  suas  funções era fiscalizar o cumprimento da Lei de Terras e da Lei do Ventre Livre.  Suas observações naquele ambiente servem de  matéria-prima para  algumas  de  suas  obras, como se  diz no documentário Machado de Assis –  um mestre na periferia do capitalismo.

Se  não conseguir visualizar o  player,  assista no Youtube.

Em uma de suas inúmeras crônicas – 19 de maio – Assis debocha dos  abolicionistas de  ocasião.  No texto publicado uma  semana após a  Abolição,  o  protagonista, percebendo o   movimento em   favor dos negros, trata de  alforriar  antes  o único escravo da casa,  a fim de  parecer favorável ao evento.

Bons  dias!

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

[…]

No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:

– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que…

[…]

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

3  curiosidades sobre Machado de  Assis
  • O  primeiro emprego de  Machado foi  na  gráfica do  jornalista negro  Francisco de Paula  Brito. Paula  Brito era dono do   jornal  Marmota   Fluminense, por meio  do qual divulgava novos  talentos  literários. Em 12 de  janeiro de   1855, um novo texto  era publicado:  Ela, cujo autor  assinara simplesmente  Assis. Naquele ano, Machado publicou outros  16 poemas; em  1856, mais  seis; em 1857, mais  seis e em  1958, mais   cinco. Ele   tinha   15 anos quando publicara  o   primeiro.
  • Além de escritor, era  funcionário público. Machado de  Assis   também  era   um desses  autores que  sustentavam-se  com   um emprego público e  complementava a  renda  com a  publicação  de  seus romances. Sabe-se, por exemplo, que  seu  romance  Helena, em sua   primeira   edição,   teve uma   tiragem  de  apenas  1500  exemplares;  já segunda  edição  só aconteceu    29 anos  depois. Para  o leitor  de hoje  isso é  surpreendente, visto que  é  uma das   obras  mais  populares  do  escritor.  Cabe lembrar  que, no  século  XIX,  as obras eram   inicialmente publicadas  em   folhetins; ou seja, o espaço de   variedades de   um  jornal, disputando espaço com  a  culinária e  a  moda  vinda de  Paris.
  • Foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Em votação unânime,  Machado assumiu a presidência da  ABL em 4 de  janeiro de 1897. Os   primeiros  acadêmicos    foram:  Afonso  Celso, Alberto de  Oliveira, Alcindo  Guanabara, Araripe   Junior, Artur  Azevedo, Carlos de  Laet, Coelho Neto, Filinto de  Almeida, Garcia  Redondo, Graça  Aranha, Guimarães  Passos, Inglês de Souza,Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José  Veríssimo, Lucio de  Mendonça,  Luís  Murat, Machado de  Assis, Medeiros e  Albuquerque, Olavo  Bilac, Pedro Rabelo, Rui Barbosa,  Pereira da Silva, Rodrigo  Otávio, Silva Ramos,  Sílvio  Romero, Teixeira de Melo,  Urbano Duarte,  Valentim  Magalhães, Visconde  de  Taunay.

O que você achou da homenagem do  Google?  Qual é  o  seu texto favorito de Machado de  Assis? Responda nos comentários.

Fontes de pesquisa:

ASSIS, M.  19 de maio.  Disponível  em: <http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr11.pdf>. Acesso em 21 jun 2017

 BOSI, Alfredo.    História  concisa da  literatura   brasileira.  33.ed.  São Paulo: Cultrix, 1994.

COUTINHO,  Afrânio. Introdução à literatura  no  Brasil. 16.ed. São Paulo: Bertrand  Brasil,  1995.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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