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[Indicação de leitura] Correspondências, de Clarice Lispector

Clarice Lispector  é  uma  das  autoras  mais  importantes  da  literatura brasileira, apesar de  ter  nascido na  Ucrânia. A escritora  modernista  foi  trazida pelos  pais  em 1921, com  poucos meses de  nascida – razão  pela qual tentou  infinitas  vezes  naturalizar-se   brasileira.  Esses  e  outros  episódios de  sua vida são contados  no livro  Correspondências, organizado  por Teresa Montero e  publicado, pela  primeira  vez,  em 2002.

A organizadora  esclarece  que a ideia de publicar  as  cartas de  Clarice  foi  uma  iniciativa  da  família da escritora, a fim de  atender  aos  anseios de  pesquisadores e estudantes.  A obra  é   dividida em  cinco capítulos:  Década de 1940, Década de 1950,  Década de  1960, Década de 1970. É  um livro  interessantíssimo, pois   mostra  ao  leitor como  Clarice  se relacionava  com  outros  artistas de  sua  época – há  cartas,  por exemplo,  de  João  Cabral de  Mello, Mafalda e Érico  Veríssimo, Fernando  Sabino – e  com  a  Presidência da República.

Uma russa de 21 anos de idade e que está no Brasil há 21 anos menos alguns meses. Que não conhece uma só palavra de russo mas que pensa, fala, escreve e age em português, fazendo disso sua profissão e nisso poupando todos os projetos do seu futuro, próximo ou longínquo [..] Que deseja  casar-se com  brasileiro e   ter filhos  brasileiros. Que, se fosse obrigada a voltar à Rússia, lá se sentiria irremediavelmente  estrangeira (LISPECTOR, 2002, p. 33)

É com essas palavras que Clarice Lispector, nascida Haia Lispector, apresenta-se ao presidente Getúlio Vargas, em uma carta datada de  3 de julho de 1942, na qual a autora expõe seu desejo de naturalizar-se brasileira e apresenta um pequeno resumo de seu trabalho como jornalista. Na  mesma  correspondência,  Clarice  afirma   colaborar  com o governo  por meio do   DIP (Departamento de  Imprensa e Propaganda, criado por   Vagas  em 1939 e  extinto  em  1945).  Em carta posterior, datada de 24 de outubro daquele  ano, Clarice reafirma seu desejo e declara-se admiradora do presidente.  A coletânea não  contém nenhuma  resposta de Getúlio  Vargas.

Uma das  cartas que  mais   me  chamaram a  atenção  foi a enviada  por Fernanda Montenegro na década de  1960 (o texto   é  inserido no  terceiro capítulo do livro,  mas   não contém  nenhuma  data).  A atriz  menciona  claramente a  dificuldade que a  classe  artística enfrentava  na  época:  “Atualmente em São  Paulo  se representa de arma  no  bolso. Polícia nas portas dos  teatros. Telefonemas  ameaçam  o  terror para cada um de nós em  nossas casas de  gente do teatro. ” (p. 258).

Da  mesma  forma, também  é   possível  notar que as cartas eram   uma maneira que  a escritora –  em muitos  momentos  fora do Brasil  – encontrava para manter-se informada sobre a vida  cultural e  política do país.  Também  recomendo que  o  leitor assista  última  entrevista concedida pela  escritora.

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clarice

 LISPECTOR, Clarice. Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. 331 p.

Leia mais  no  blog:

Clarice: 95 anos

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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