Literatura Sala de Aula

[Sala de Aula]Romantismo brasileiro e o Brasil em letra de música

O Romantismo no  Brasil começa oficialmente em  1836, 14 anos após o  processo histórico  que  culminou  com a Independência; tradicionalmente, indica-se “Suspiros poéticos e saudades”, de Gonçalves de  Magalhães, como o primeiro texto romântico brasileiro. Naquele  momento, havia o desejo e a necessidade de ressaltar as características locais, valorizar a história,  reconhecer a origem do povo brasileiro e  reforçar a sua identidade.  Neste texto,  eu apresento uma atividade sobre o Romantismo brasileiro, realizada em duas turmas de  Ensino  Médio da instituição em  que trabalho.

A  apresentação do tema foi feita  em três  aulas (1h 30 cada):

Aula 1: Introdução ao Romantismo no  Brasil 

As duas  turmas leram os textos Canção do exílio,  de Gonçalves Dias; Meus oito anos, de  Casimiro de Abreu; Se eu morresse amanhã e É ela! É ela! É ela,  de Álvares de Azevedo, e Navio negreiro (trecho) e O “adeus” de Tereza, de  Castro Alves. Após a leitura, reconhecemos os  temas  de cada um dos poemas, os recursos  linguísticos utilizados em  sua elaboração e  observamos as  características  gerais de  cada  uma das gerações  românticas do  Brasil.

Aula 2: 1 ª geração romântica.

Essa  aula foi  iniciada com leitura de  Minha terra, de  Gonçalves  Dias, em que o  amor  pela pátria é reforçado pela distância geográfica. Pedi aos alunos que identificassem as  figuras  de linguagem e  outros recursos que contribuem para  a sonoridade do texto;  assim, revisamos aliterações, assonâncias, anáforas e rimas.

Quanto é  grato  em terra estranha
Sob um céu menos querido,
Entre feições estrangeiras,
Ver um rosto conhecido;

Ouvir a pátria linguagem
Do berço balbuciada,
Recordar sabidos casos
Saudosos – da terra amada!

Solicitei aos  alunos a  releitura do poema Canção de exílio, a fim de que  identificassem as  semelhanças e  diferenças  entre os dois textos: o  tema é  comum aos dois? O que parece  motivar as lembranças do eu-lírico nas duas produções? Quais são as expressões  utilizadas para identificar a  terra  natal e a terra estrangeira?

Após a leitura,  comentamos algumas  das  características da  geração romântica que ficou conhecida como  nacionalista ou indianista. Os românticos brasileiros, preocupados com a instauração de uma literatura genuinamente brasileira, buscavam os aspectos que  favoreciam a  construção de  identidade nacional. Na aula anterior, a  turma aprendera  que esta geração fora  influenciada pela leitura de textos de  Jean-Jacques Rousseau (escritor do Iluminismo francês), para quem a natureza humana é boa ao nascer, porém a  convivência social e a desigualdade promovida pela divisão do trabalho corromperiam a  sociedade. Para que  os  alunos  compreendessem de que  maneira o homem natural  influenciou o mito do bom selvagem romântico, lemos alguns pequenos trechos do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e transcrevo aqui um deles:

O  homem não  é  bom nem mau, ignora tanto as virtudes e os vícios. O estado da  natureza é mais vantajoso para ele e  lhe proporciona mais felicidade do que o estado social […] O   homem é  naturalmente indulgente; a piedade é   um movimento da  natureza, anterior a  qualquer reflexão. (ROUSSEAU, 2000,  p.  17)

A leitura seguinte foi Canto do índio, também de  Gonçalves Dias. Comentamos que o autor pode ser considerado uma síntese da identidade nacional que os escritores  da época buscavam  mostrar: era  filho de   um português com cafuza (mestiça de índio com negro). No  poema, o  jovem índio admira de longe uma moça cristã por quem se  apaixona e seria capaz de abandonar sua tribo:

Ó virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do Boré que incita a guerra
Me infiltrasse o valor que m’hás roubado,
Ó virgem, loira Virgem tão formosa.

 Nessa aula, a tarefa de casa foi pesquisar em site, livros e revistas, textos que demonstrassem a preocupação em  valorizar a cultura brasileira. Eu avisei que  seriam aceitas  produções de  outras  épocas, a fim de   observar que  a temática nacionalista não é uma exclusividade da  literatura do século 19.

Aula 3: O Brasil em  letra de  música

No final da aula anterior, eu  avisara  aos alunos que  eles poderiam levar  canções, desde  que atendessem  à proposta da atividade. Cada aluno deveria apresentar seu texto  e justificar sua escolha, dizendo de  que maneira ele fazia  recordar o  que  aprendera sobre o Romantismo. No dia combinado, eu  levei para a sala um notebook, um jogo de caixinhas de som e  um projetor. Em uma das turmas, a maioria apenas leu o texto levado; a outra apropriou-se do equipamento e apresentou os vídeos disponíveis no YouTube.

Um dos grupos é composto  de  25 alunos e  o outro, 15; assim,  eu mostrarei aqui apenas  alguns dos textos escolhidos. Abaixo de cada player, coloco a síntese da análise proposta pelo aluno que indicou a música.

Um índio

Se não conseguir  visualizar o player, clique AQUI.

Comentário da aluna: A música de Caetano Veloso (Nessa versão, interpretada por  Roberto Frejat) retrata o “mito do bom selvagem”, a partir de comparações com personalidades do século 20 (Mohamed Ali, Bruce Lee). O  índio é mostrado como um homem  forte e  admirável, mas a música também  fala da  exterminação dos  povos indígenas.

Aquarela do  Brasil (Ary Barroso. Interpretação de  Gal Costa). Essa foi apresentada por mim em uma das  duas turmas e levada por uma aluna na outra. Destacamos a presença da cultura negra em diversos trechos.

Canta Brasil (David  Nasser. Interpretação de  Gal Costa). A música  faz referência à  natureza do Brasil e há uma  intertextualidade com a canção anterior (“Na  beleza deste céu, onde  o azul é  mais azul/ A aquarela do Brasil eu cantei de  norte a sul”).

Borzeguim (Antônio Carlos Jobim). Assim como as outras,  exalta-se a  natureza.

 Riquezas do Brasil

Riquezas do Brasil (Candeia)**

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Comentário da aluna: O texto valoriza as belezas naturais do país. A aluna que  o apresentou destacou que,  logo após  a referência às riquezas minerais,  surge um elogio às  Forças  Armadas. A Portela desfilou com esse samba em 1956.

Seguindo a mesma linha do texto de  Candeia, também foram apresentados:

Eu te amo, meu Brasil (Os  incríveis). As  duas  turmas levaram essa música. Em uma, os  alunos  lembraram  que  a canção fazia  parte da campanha “Brasil: ame-o ou deixe-o” criada pelo governo na ditadura militar.

 Made in Brazil

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Comentário da aluna: Apesar do  título em inglês, observa-se a valorização do Brasil  por meio da citação de importantes grupos musicais.

Outras canções que citam aspectos da cultura brasileira que reconhecidos no exterior:

Brasil pandeiro (Assis Valente. Interpretação de Novos Baianos).  Apresentei essa música em uma das turmas e destacamos que, nessa produção de  1940, fica evidente que a culinária e a música brasileiras eram vistas como produto de exportação.

Disseram que  voltei americanizada (Carmem Miranda) – Esta  música foi escolhida na hora da aula. Os alunos  lembraram que, embora  Carmem fosse portuguesa, ela ficou conhecida nos Estados Unidos  por divulgar a cultura brasileira. Ironicamente, um dos versos do samba diz “Eu que nasci com samba e vivo no sereno /topando a noite inteira a velha batucada”.

Palmares 1999

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Comentário do aluno:  A exemplo do que  acontece em  Navio negreiro, de  Castro Alves,  esta  canção é  uma crítica ao descaso com  que  a cultura negra é  vista ainda hoje.  A partir deste comentário, debatemos sobre os aspectos culturais  brasileiros  herdados  dos africanos.

Sugestão para o professor:  Na impossibilidade de acessar o YouTube  na hora da aula, veja se é possível levar  apenas equipamento de som.  Uma outra alternativa, é pedir aos alunos que  apenas  leiam os  textos que levarem e os comentem. O professor  também deve fazer  o “dever de casa”, mas  ele  será o último a apresentar.

  Para baixar todos os poemas completos citados neste  artigo (exceto o  Navio negreiro), clique AQUI. (Arquivo em  Word. Será aberta  uma pasta do Google Drive)**.

Para assistir à videoaula sobre o Romantismo, acesse nosso canal no YouTube.

Referências:

ROUSSEAU, J.  Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Discurso sobre as  Ciências e as Artes.  São Paulo: Nova Cultural, 2000

*Atualizado em 10 de agosto. A música ficara de  fora  na publicação do dia 9.

** Links atualizados em 22/04/2022.

3 Comments

  1. Que trabalho maravilhoso de interação dos alunos com as aulas. A literatura, acredito eu, ajuda-nos a ser pessoas melhores a ver o lado humano da vida e viver no mundo onírico que faz tão bem a nossas almas. Com um livros nas mãos viajamos sem sair do lugar, ficamos em êxtase e o que é melhor sem o uso de drogas.
    Eu acredito na educação, pois só a educação transforma o ser humano .
    O falecido Enéas Carneiro foi um exemplo de como a educação pode mudar a vida de uma pessoa.
    1938 – 2007 „Quem sou eu? De origem humílima, dediquei toda a minha vida ao trabalho e ao estudo. Fui o 1º lugar em todas as séries do Curso Primário; 1º lugar no Exame de Admissão; 1º lugar em todas as séries do Curso Ginasial; 1º lugar na Escola de Saúde do Exército; 1º lugar do Vestibular de Medicina; 1º lugar no Vestibular de Ciências Exatas; Mestre em Cardiologia com nota 10 na defesa de tese. Em fevereiro, tive uma leucemia e perdi minha barba! Mas, sou deputado federal. E, com barba ou sem barba, meu nome é Enéas, 5656.“
    Referência: https://citacoes.in/autores/eneas-carneiro/
    O que me admirou naquele senhor não foi as primeiras colocações que ele conseguiu em sua vida acadêmica, mas, sim, sua força de vontade em estudar e acreditar que só através da estudos poderia transformar a sua vida.
    Eu quando criança meus pais diziam que não daria para nada com relação a vida acadêmica e que seria um puxador de carroça. Não que eu tenha nada contra pessoas que puxam carroça, mas eu dentro de meu ser sabia que não seria e lutei, lutei e luto muito até hoje com minhas dificuldades com o aprendizado. Sou um apaixonado pelos estudos. Não sou bom com o português, mas estudos todos os dias e procuro aprender e apreender ao máximo que posso dessa língua maravilhosa.
    Um abraço carinhoso do teu amigo virtual. Evaldo.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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