Autor convidado Literatura

O Assinalado – Análise

Melancolia. Odilon Redon

O Assinalado (Cruz  e  Sousa)

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

 É um poema metalinguístico, pois fala do fazer poético. Portanto, trata da criação poética. Além de ser autorreflexivo, pois o poeta está falando de si mesmo, tratando-se como um ser diferenciado, um assinalado, alguém que carrega um tipo de sina, que, no caso, leva-o fatalmente a sofrer a loucura dos desventurados. Mesmo usando o “tu”, fica claro que o diálogo é interno. Percebe-se claramente que o poeta está falando de si para si mesmo.

No primeiro quarteto do soneto, o eu-lírico diz que o poeta é um louco e que a poesia é uma loucura, a “loucura mais suprema”. A poesia, para ele, é vista como uma loucura imortal. E todo aquele que se propõe a trabalhar com essa loucura suprema e imortal, não pode ser outra coisa senão louco. Assim, o trabalho do poeta é visto pelo eu-lírico como uma má sina, que, por saber, sentir ou perceber mais que os outros homens, vive sempre preso, algemado e, consequentemente, é um desventurado, eternamente infeliz. Vive preso ao mundo físico, mas seu espírito está sempre indo mais longe, onde o poeta não pode nunca chegar. Mas, assim como a poesia é vista como uma loucura suprema — uma espécie de prisão —, o poeta também é um louco diferenciado, pois está acima de todos, vendo o mundo de um jeito que ninguém senão “o louco da imortal loucura” pode ver, e, por isso, diferenciado.

O segundo quarteto começa com uma conjunção adversativa, já indicando que vai, em alguma medida, discordar do que foi dito anteriormente. O eu-lírico diz que transforma toda a dor, todo o sofrimento, toda a prisão que é, para ele, o ato de criação artístico do poeta, em ternura. Os gemidos da alma do poeta que saem suplicantes não reproduzem seu sofrimento, mas trazem coisas boas para esse mesmo mundo no qual é prisioneiro e morador. Deste modo, não é por estar algemado ao mundo físico que não pode trazer para as outras pessoas, que também vivem neste mesmo mundo, coisas que somente ele pode alcançar por ser poeta.

No primeiro terceto, há um tipo de crítica ao materialismo. O eu-lírico revela sua missão, dizendo que é trazer ao mundo, de maneira gradual, belezas eternas, as quais afirma não existirem no mundo em que ele vive. Portanto, o poeta enxerga um mundo dominado pelo materialismo e, em oposição a essa visão materialista, o poeta sente a obrigação de povoar o mundo com belezas da alma, das quais o mundo estaria despovoado.

No segundo terceto, o eu-lírico busca o diálogo com a natureza como forma de afastamento do materialismo que, na visão poética do simbolista, não deixava o homem sonhar. O poeta vive em um mundo dominado por uma visão cientificista, desapegado de sentimentos, por isso, quando ele fala de coisas da alma, de sentimentos, sente-se um louco em relação aos outros homens. Porém, sua visão de mundo é outra e, portanto, cada vez que se diz louco e fazedor de loucuras, está na verdade sendo irônico com todo o racionalismo que há no mundo. E, o que o poeta está fazendo na verdade, é tentando se encontrar em si mesmo, mostrando a dor de existir como um assinalado que vê e sente contrariamente à maioria de seu tempo.

 Laurindo Stefanelli – Janeiro/2014

Para  ler  mais  sobre  o  poeta  Cruz  e Sousa e o Simbolismo, veja os  textos  abaixo:

Sobre o autor – Cruz  e Sousa

Siderações

Simbolismo

Nota:  Como  imagem destacada,  vê-se  a obra Melancolia (1876), do pintor francês Odilon Redon.

Referência:

CRUZ E SOUSA,  J. Obra completa: poesia  Jaraguá do Sul: Avenida, 2008.

8 Comments

  1. PODEMOS APRENDER MUITO MAIS COM A LEITURA DAS ANÁLISES DOS POEMAS ALÉM DE CONHECERMOS OUTROS AUTORES DA LITERATURA BRASILEIRA.

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Laurindo Stefanelli

Pós-graduado em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Londrina.
Colaborador do Conversa de Português desde 15 de julho de 2011.

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