Educação

Você trabalha e dá aula?

Houve aulas, na instituição de ensino onde trabalho, até sexta-feira, dia 23 de dezembro – período letivo normal,  ainda sem as famosas aulas de recuperação. Faremos  um breve recesso durante as Festas e retornaremos no  dia 2 de janeiro – tudo  isso  é consequência  de uma greve de  60 dias pela qual passaram  os  institutos federais.  Alunos e professores estão esgotados e  já imaginam as aulas no  calor escaldante de janeiro e fevereiro. Apesar da irritação coletiva, sempre aparece alguém que  tenta ser simpático e  faz a pergunta errada, na hora errada, para a pessoa errada.

Na quinta-feira, 22 de dezembro, eu  saí  no  meu   horário de almoço e uma senhora tentou puxar assunto, perguntando-me se eu  estaria de volta para dar aula em  2 de janeiro. Respondi-lhe que segunda-feira não é meu dia de sala de aula, mas que estarei na instituição para outras atividades. Ela, então, resolveu  fazer a pergunta “Ah, você  trabalha e dá aula?”; respondi-lhe: “E desde quando dar aula não é trabalho?”. O  problema é que as pessoas  não  prestam  atenção  ao  que falam e ela resolveu “emendar o  soneto”: “Não quis dizer isso… Eu quero saber se  você, além de trabalhar, dá aula”.  A minha paciência  já estava mesmo  no  final e a minha educação  já estava quase indo  embora, mas eu  lembrei  dos conselhos de mamãe e respondi: “Bom, você quer saber se, além de dar aula, eu  tenho outras responsabilidades? Sim, além de dar aula, eu  tenho outras responsabilidades e TUDO isso  é  trabalho!”. Irritadíssima, larguei a comida pra  lá e  fui  embora.

A pergunta daquela senhora reflete bem a maneira como o trabalho docente está desvalorizado. Houve um tempo  em  que o  sonho de todo pai  era ter uma professora na família e nem faz tanto tempo assim. Lembro-me do meu avô perguntando-me, aos 14 anos,  o  que eu  ia fazer da vida. Quando eu  respondi  que iria para a Escola Normal no ano seguinte, ele respondeu “Ah bom!”. Fiquei com a sensação de que se eu  tivesse resolvido  fazer alguma outra coisa, ele  não  aprovaria.

Lembro-me de que quando  eu era criança, a minha  mãe fazia mil recomendações sobre o meu comportamento na escola (“Obedeça!”, “Não responda mal”, “Não quero queixas”, “Preste atenção”, “Faça os seus deveres”); conselhos desnecessários,  já que eu  era naturalmente estudiosa.  Se fosse hoje, eu   sofreria bullying pela mesma razão. Os meus pais são  da  época em  que professor tinha tanta autoridade quanto a família: criança tinha que respeitar todo mundo.

O que se vê por aí hoje  é  o inverso daquela época: professor é desrespeitado pela família e pelo  Estado.  Há alguns meses,  circulou na mídia o  caso da professora que sofreu agressão de um aluno de escola particular. A instituição de ensino achou mais adequado demitir a professora para garantir a mensalidade paga pelo aluno. Trabalhei em uma escola cujo diretor reunia os professores em janeiro apenas para lhes dizer que o  patrão lá era o aluno.  Cid Gomes, governador do  Ceará,  acha que magistério  é sacerdócio e quem quiser salário  melhor deve procurar a rede privada.  Durante a greve das instituições federais de ensino, alunos e professores foram  à abertura da Bienal do  Livro  no  Rio  de Janeiro, onde estaria o Ministro da Educação, e foram recebidos com pancadaria. Se é esse  o  tipo de tratamento que  nos é concedido, eu  começo a achar também  que lecionar  não  é trabalho. E só quem é  professor entende o  trabalho  que dá…

2 Comments

  1. É realmente lamentável a desvalorização e preconceitos que os professores enfrentam hoje em dia. Somente aqueles que são convictos do caminho que escolheram, permanecem motivados nesse nobre ofício de disseminar o conhecimento. Minhas sinceras congratulações a todos docentes que enquadram-se nessa categoria.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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