Dicas de livros Linguística

Não é errado falar assim

 

Marcos  Bagno é professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília e  é  famosa sua  militância em  favor de uma  educação  em que se  privilegiem  as variedades  linguísticas e  não apenas aquela  ofertada pelas gramáticas e pelos   livros  didáticos.  Bagno é  autor de  Preconceito  linguístico: o  que é, como  se  faz em que discute os conceitos de certo e errado  no uso da  língua  e mostra ao leitor que a escola  sempre se preocupou com a discriminação social e  racial, mas  reforça o preconceito linguístico.  No  blog Conversa de Português,  já   foram  publicadas resenhas sobre  duas  outras obras do  autor: A língua de EuláliaNada na língua é  por acaso,  sendo esta  uma contribuição da professora  Maria  Lúcia Marangon.  Em Não é errado  falar assim – em defesa do português brasileiro,  o linguista dedica-se a analisar as construções linguísticas presentes no  Brasil e  consideradas  erro  por aqueles  que equivocadamente ainda  não entenderam que  a  língua (qualquer língua!) não  é   um fenômeno estanque.
Ao contrário do  que se pode  pensar, o  livro de  Marcos  Bagno  não  é  uma exaltação  da  ignorância linguística como pode parecer a muita  gente.   O autor  apenas afirma, com base em  estudos  sérios, aquilo que os  modernistas   disseram  no  início do século  XX: existe uma  língua  brasileira decorrente de nossa miscigenação  cultural.  O livro   é apresentado  pelo   filólogo  Sírio  Possenti  que, ao  defender a  visão sociolinguística de  Bagno,  formula  a seguinte  hipótese:
Suponhamos  que  um  botânico ou  biólogo   tivesse a mentalidade de um  pseudogramático. Se fosse a campo e descobrisse um animal  até então não registrado ou   uma planta ausente do catálogo mais atualizado que pudesse consultar na  biblioteca, o que ele faria? Em vez de pedir auxílio a  uma  agência de fomento para mostrar sua descoberta num congresso, ele  mataria o  animal ou destruiria a planta. Ele os  consideraria errados, já que  não constam nos catálogos em   vigor! Não é assim que ainda  se faz nos estudos de gramática, e mesmo do  léxico, na maior  parte dos casos de que se tem notícia: repete-se religiosamente  algum manual? As poucas exceções  são  alguns centros  de pesquisa  em algumas  universidades.
Em outro  ponto, o  estudioso comenta:
Bagno  chove no  molhado, no sentido de que defende o  óbvio. Ou o que deveria ser  o óbvio, se nossos  guias para estudos da língua já  tivessem chegado, em  termos  de  mentalidade,  pelo menos  ao  Renascimento.
O  descaso  pela  língua, a corrupção da juventude,  a  incompetência dos professores são  algumas  das justificativas  do senso  comum   quanto ao  que é erro ou  acerto em  língua portuguesa, demonstrando  que  fenômenos   sociais  e  culturais são  desconsiderados   na  evolução  da  língua por aqueles  que  se consideram “entendidos” em  gramática.  A estas acusações  Marcos Bagno   chama de superstições  linguísticas que “permanecem  vivas e  fortes  na  nossa cultura, quase como se  fossem dogmas sagrados capazes de atrair a ira divina  sobre quem  não  acreditar  neles.” Sempre  houve alarmistas  prontos  a  dizer que  a língua portuguesa  estava prestes  a  desaparecer por culpa daqueles  que  aderiam  aos empréstimos  vocabulares comuns em qualquer língua ou  por culpa dos  infelizes que  “não sabem português”.
A primeira   parte é  dividida em quatro capítulos que  mostram  o que é  erro e  preconceito,  quem são os chamados  puristas, as  mudanças diacrônicas da  língua e  como  usar o  livro. O  autor  apresenta, em  O  ensino  do  preconceito   linguístico, sete  mitos linguísticos  repetidos  há  muitos anos  e que se  fazem  presentes até no  ensino  escolar: os brasileiros falam  mal  o  português, português  é uma das  línguas mais  difíceis do  mundo, só se pode admitir como  certo  o uso dos grandes escritores, a língua escrita é a  forma certa da língua, o que  não está nas gramáticas ou nos dicionários não existe, as pessoas sem instrução não  sabem falar, os   jovens  têm  vocabulário  pobre. Os mesmos  mitos   são apresentados nas obras  Preconceito  linguístico e A língua de Eulália.   Todas as vezes  que um  dos meus  alunos afirma ser  verdade que o português  é a  língua mais difícil do  mundo, eu devolvo  a  seguinte indagação: “Você estudou  todas as línguas  do  mundo para  fazer  tal  comparação?”;  geralmente, respondem que a  afirmação é  de algum  grande estudioso da língua.  Eu pergunto novamente : “ E este  grande sábio estudou  todas as línguas do  mundo?  Você  tem certeza disso?” e, em seguida, pergunto ironicamente quantas são as línguas faladas no  mundo.
Em Quem são  os   puristas?, o autor esclarece que  purista é  aquele que “defende a ‘pureza’ da  língua contra todas as formas  inovadoras, consideradas como  formas de ‘decadência’, ‘corrupção’ e ‘ruína’, não  só da  língua, mas  também dos valores morais da sociedade”.  O texto de  Bagno remonta ao século XVI , quando  o  gramático francês Claude  Favre, barão de Pérouges e senhor de Vaugelas determinou que seria considerada  boa  linguagem apenas a  usada pelos aristocratas, pela  parte “mais sadia da corte”.  O que dizer então sobre  gramáticos que  consideram  como  correta apenas a  forma de falar e escrever dos  “escritores esclarecidos”? Quem são  tais escritores? O que dizer, então, dos neologismos de  Guimarães Rosa?  Não seria  ele  um autor  merecedor  de respeito?  Não  é  a   sua  obra  objeto  de  estudos  justamente  por  não  limitar-se  à  gramática  normativa?
Não se pode dizer que esta  obra de  Marcos  Bagno  pregue o “vale tudo” linguístico.  A proposta  do  autor é   propor  mudanças  no  ensino da língua de  modo a   valorizar  todas  as  variedades linguísticas com a clareza de que cada  uma  tem  o  seu   momento de  ser  usada.
BAGNO, Marcos.  Não  é errado falar assim – em defesa do  português brasileiro. São  Paulo: Parábola,  2009. 315p.

Leia  também  no   blog:
A língua de Eulália
Variedades linguísticas

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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