Língua Portuguesa

Monteiro Lobato e a ortografia

“As palavras, como  tudo mais, também têm de  mudar.”
(Monteiro Lobato)
Em  1934, Monteiro  Lobato publicou a   obra infantil Emília no  País da  Gramática, na  qual  explicava  a   gramática da língua portuguesa aos seus  pequenos  leitores.   O  autor  transformava, então, a  monotonia dos  estudos  linguísticos  em   um belo  passeio guiado  por Emília  e  o  rinoceronte Quindim.  Lobato apresentava às crianças  uma  discussão começada em 1931 –  a  necessidade de  modernizar  a  ortografia  da língua  portuguesa – e trazia para  o  texto literário  infantil as alterações propostas por   um documento  assinado por  Brasil  e Portugal.


No capítulo XXVI (“Emília ataca o  reduto  etimológico”), Lobato defendia  de  modo  contundente a  ortografia simplificada, que  tomara o lugar do  sistema  etimológico (usado desde  o século XVI e que se  propunha  a  imitar as escritas grega e  latina).

–  Senhor  Sabbado,  venha  cá. […] Diga-me: por que é que traz  no   lombo  dois  BB quando   poderia passar   muito bem com   um  só?
[…]
– É  por  causa da bruxa  velha  Como venho do  latim   sabbatum, que, por  sua vez, veio do hebraico  Sabbat, ela  não consente  que eu  me  alivie deste inútil. Há  séculos  que trago  no  lombo  semelhante  parasita, que   nenhum  serviço  me  presta. […] O meu sonho  é  ver-me livre  deste  trambolho.
Emília  arrancou-lhe  o B inútil e disse:
_ Pois    fique com um B só. […]  Estou  aqui  representando  os   interesses das crianças, que constituem  o    futuro da  humanidade  _  e as  crianças preferem   sábados  com  um   B só.  Vá  passear e nunca  mais  me  ponha  o  segundo  B!

Em 1990,  o mais recente  acordo   foi assinado, o que   provocou uma  nova série de debates sobre  a unificação  ortográfica entre  os países da   comunidade lusófona. No  Brasil, muito se  discutiu a abolição do  trema que, na  nossa  língua,  indicava a  pronúncia nas sílabas gue, gui, que e qui em palavras  como tranquilo, cinquenta, aguentar.  Cunha e  Cintra, na  Nova Gramática  do Português Contemporâneo, ressaltavam  que  o trema  era  um  sinal  presente apenas  na “ortografia em vigor no  Brasil”, o mesmo  que   falara Monteiro Lobato quase  meio  século antes:

Depois da tremenda revolução  ortográfica da Emília, o Brasil  ficou envergonhado de estar mais atrasado que uma bonequinha e resolveu aceitar  suas  idéias. E  o Governo  e as  academias de  letras realizaram a  reforma  ortográfica. Não  saiu  boa  coisa, mas serviu. Infelizmente  cometeram um grande  deslize: resolveram  adotar uma  porção de  acentos  injustificáveis. […] E apareceu até um  tal  trema (¨) que é  implicantíssimo. A pobre  palavra “frequencia” que  toda a  vida foi  escrita sem  acento nenhum, passou a escrever-se assim: “freqüência”.

Setenta e cinco anos  após a  primeira edição de Emília no País da Gramática, discutimos novamente a ortografia  da língua portuguesa e nos preparamos para  usar as novas regras que deverão ser  definitivamente incorporadas no final de 2012; até  lá continuamos com duas ortografias.


Fontes:
CUNHA, Celso; CINTRA,  Lindley.   Nova Gramática  do Português  Contemporâneo.   São  Paulo: Nova  Fronteira,  2000.

LOBATO, Monteiro.  Emília no País  da  Gramática. São Paulo:  Brasiliense, 2004.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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